segunda-feira, 1 de abril de 2013

Teorias e realidade (2)


Amigos,

Em janeiro de 2012, eu escrevi e publiquei aqui no blog, o texto “Teorias e realidade”, em que eu comentava sobre a questão da realidade e das teorias científicas que tentam representa-la. Resolvi retornar ao assunto, ao ler um artigo sobre o tema, na Edição Especial “Fronteiras da Física 3”, da revista de divulgação científica “Scientific American Brasil”, em que os autores parecem questionar sobre a existência de uma realidade objetiva.

Eles até usam um argumento que, em princípio, é correto, de que o mundo pode ser “explicado” por diferentes modelos, diferentes teorias; e que não parece haver um modelo preferencial, uma vez que todos se tratam de aproximações. Até aí, tudo bem; mas daí a questionar a existência de uma realidade objetiva, tem muita distância...

Já conhecemos exemplos da existência de diferentes teorias para explicar um mesmo fenômeno. Por exemplo, a gravidade. Inicialmente, este fenômeno foi explicado pela teoria da gravitação universal de Newton; depois veio a teoria da relatividade geral de Einstein, que também é uma teoria da gravidade... Surge então a pergunta: qual das duas teorias é “a verdadeira”, ou “a mais correta”...? Sabemos que a primeira, de Newton, tem domínio mais limitado: funciona bem a velocidades baixas – em que a massa possa ser considerada constante –, e com corpos não muito massivos. Porém, diante de velocidades elevadas ou corpos massivos, a teoria de Newton não fornece bons resultados, e os fenômenos são explicados de melhor forma pela teoria de Einstein. Mas isso significa que a teoria da gravitação universal de Newton esteja errada...?

Não, não significa. A teoria de Newton funciona muito bem para descrever movimentos de corpos nas escalas em que estamos habituados: escalas nem muito grandes nem muito pequenas de distância, tempo, velocidade e massa. Ou seja: casas e carros, por exemplo, são construídos com base nesta teoria.

Alguns exemplos podem ser dados, entretanto, em que a teoria de Einstein deve ser usada; vejamos. Aceleradores de partículas produzem, de modo geral, feixes de partículas relativísticas, ou seja, onde sua velocidade não é tão desprezível assim em relação à da luz; logo, a variação da massa em função da velocidade das partículas deve ser considerada. Outro caso é o desvio da luz emitida por estrelas distantes, ao passar próxima ao Sol, por exemplo (poderia ser outra estrela); a massa da estrela próxima é tão elevada, que o desvio causado no feixe de luz só pode ser explicado corretamente pela teoria de Einstein – na qual o desvio é consequência da curvatura do espaço-tempo nas proximidades da estrela massiva próxima (já comentei sobre isso antes). Esse fenômeno também ocorre na observação de galáxias distantes, com outra galáxia a meio caminho: a imagem da galáxia distante é distorcida, ao passar em torno da mais próxima, dando origem a formas em arcos, ou a múltiplas imagens da galáxia distante – trata-se do efeito de lentes gravitacionais. A primeira Figura a seguir ilustra o efeito de lentes gravitacionais; a segunda e a terceira, mostram exemplos de imagens distorcidas por lentes gravitacionais.
 
Ilustração do efeito de lentes gravitacionais: as setas em cinza mostram a trajetória da luz emitida pelas galáxias distantes até a Terra, curvadas pelo efeito da gravidade do corpo massivo ao centro; as setas em laranja mostram as trajetórias aparentes, que causam a impressão de imagens distorcidas das galáxias distantes. Imagem da NASA, obtida de Hubblesite.
 

A cruz de Einstein: imagem múltipla (quatro imagens) de um quasar distante, causadas por uma galáxia situada entre o quasar e a Terra. Imagem da NASA, obtida de Hubblesite.


Efeito de lente gravitacional causado pelo aglomerado de galáxias Abell 1689, composto de trilhões de estrelas, um dos mais massivos conhecidos; nota-se imagens distorcidas em formas de arcos, de brilho fraco, de outras galáxias ao fundo. Imagem da NASA, obtida de Hubblesite.
 
 
No domínio dos átomos e partículas subatômicas, a mecânica de Newton também falha na descrição dos fenômenos... Aqui entra a mecânica quântica, que diz que uma partícula poderia percorrer diferentes trajetórias ao mesmo tempo! Tudo muito esquisito, por sinal... Mas experimentos com partículas em fendas mostram o efeito de interferência, que seria esperado somente em experimentos com ondas, não com partículas: daí vem dualidade onda-partícula... Este efeito é ilustrado em uma animação, neste link1. Para maiores explicações, veja observação ao fim deste texto2.


Enfim, cada teoria parece valer para um domínio específico: uma funciona bem para o macrocosmos (relatividade geral); outra, para o microcosmos (mecânica quântica); e a mecânica newtoniana, para o domínio em que vivemos e convivemos, do “não muito grande”, “nem muito pequeno”. Físicos ainda buscam unir a relatividade geral com a mecânica quântica: seria uma teoria da gravidade quântica...


Algo semelhante ocorre com a teoria eletromagnética (esta sim, é mais a “minha praia”!). Nós explicamos os efeitos causados por cargas e correntes elétricas, através dos campos elétrico e magnético, respectivamente. A teoria clássica diz que uma carga cria, em seu entorno, um campo elétrico – que é um campo vetorial –, e outra carga que seja aproximada da primeira, é afetada por este campo; diz também que uma corrente elétrica cria um campo magnético no seu entorno – também um campo vetorial. Mas há um modelo mais fundamental, que explica os fenômenos através da troca de fótons – estes sim, seriam a causa das interações! Então a teoria clássica está errada...? Também não: máquinas elétricas são projetadas segundo a teoria eletromagnética “clássica”, e estão por aí, funcionando “muito bem, obrigado”.


Como tudo isso parece estranho, não...? Diversas teorias, algumas das quais parecem contradizer-se, em certo sentido, mas ao mesmo tempo, cada uma explica bem os fenômenos naturais, em determinadas condições... Parece que não conseguimos desvendar, de todo, os mistérios da natureza, mas chegamos apenas a representações limitadas, descrições aproximadas, de como ela funciona...


Porém, isso não significa que não haja uma realidade objetiva; ou que cada um possa “criar” a “sua própria realidade”, cada qual segundo um modelo diferente... Modelos matemáticos que tentam explicar a natureza são representações; representações podem ser diferentes, a despeito de a realidade ser única. Para dar um exemplo claro, tomemos um objeto, a ser representado por diferentes pessoas, de diferentes maneiras: uma pode fazer um desenho simplificado do objeto; outra pode fazer um desenho mais detalhado; outra pode fazer uma pintura (ou pinturas, em diferentes estilos); outra ainda pode representa-la através de uma foto; outra pode fazer uma escultura; outra pode representa-la em estéreo, com efeito 3D! Enfim: as representações podem ser muitas, apesar de o objeto em questão ser, objetivamente, um só.


Este texto é uma reflexão pessoal, porém fruto de leituras, conforme o primeiro texto citado do blog, de janeiro de 2012. Diante de possíveis dúvidas quanto à existência ou não de uma realidade objetiva, que tal recorrermos à nossa fé, que atesta, em nosso Credo: “Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis. (...)”. Nossa fé atesta que Deus é criador, e efetivamente criou o mundo: material (“terra”, “coisas visíveis”) e espiritual (“céu”, “coisas invisíveis”). Logo, o mundo não é uma ilusão, nem fruto de nossos sentidos apenas, nem há diversas possíveis realidades, cada qual conforme o “gosto do freguês”, conforme seu modelo ou teoria. Há o mundo criado por Deus, disso podemos ter certeza!


Viram como conjugar ciência com fé acalma nosso entendimento, e dissipa eventuais dúvidas?


E quanto a desvendar os mistérios da natureza, através de diferentes modelos ou representações, alguém já conhecia algo a respeito?


Espero ter ajudado. Até a próxima!
1Ao acessar o site, clique no vídeo “duality video demonstration” (no canto superior direito).
2Explicação sobre o vídeo citado:
 
- Primeiro, é mostrado o resultado de um canhão disparando partículas “clássicas” (conforme a mecânica Newtoniana) em uma parede alvo, por meio de duas fendas; neste caso não há interferência, pois cada partícula atravessa, sem dúvida, uma fenda por vez.
- Depois, é mostrada a emissão de uma onda, e o efeito de interferência surge na parede alvo, devido às contribuições construtiva e destrutiva das ondas que emergem das duas fendas.
- Em terceiro lugar, é mostrado um objeto quântico (como uma partícula subatômica, cujo comportamento é descrito pela mecânica quântica, não pela Newtoniana); incrivelmente, apesar de se tratarem de partículas, surgem interferências na parede alvo, da mesma forma como ocorre com as ondas! Ou seja, partículas, no “microcosmo”, comportam-se como ondas; e vice-versa. Vale ressaltar que esse efeito ocorre somente na ausência de um observador, ou seja, se ninguém tentar medir, verificar, por qual fenda a partícula passa. Isso é muito estranho, porque é como se a partícula passasse por ambas as fendas simultaneamente, como as ondas, causando a interferência!
- Por último, o vídeo mostra o efeito de um observador: quando se tenta verificar por qual fenda a partícula passa, fica definido que ela passa por uma ou outra fenda, pondo fim à interferência...


Não se preocupe se você achou toda essa explicação estranha; um dos expoentes da teoria quântica, Niels Bohr, disse que “se alguém não ficar chocado com a teoria quântica é porque não a entendeu”.

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